terça-feira, 10 de março de 2009

Memória.


Ia postar sobre o dia das mulheres domingo, mas não tive inspiração.

Queria contar uma historia triste que tem me incomodado.

Desenvolvi um trabalho voltado à garantia de direitos humanos à população GLBT em Assis – SP há dois anos atrás onde conheci uma travesti vinda de Cambe que por lá batalhava. Gordinha, como era chamada, era alta, forte, morena e aparentava certa timidez. Há três semana ela foi encontrada muito machucada em uma poça de lama na periferia da cidade e socorrida por um motorista da prefeitura. Usuária de drogas, ela estava SOBRE-vivendo há algum tempo e faleceu assim que chegou ao hospital..

A morte, o descaso da policia, a frieza do assassino que a espancou até a morte, ainda que me afetem, não me chocam tanto quando a postura da mãe.

È sabido que latino-americanos com sangue cristãos, pois, ainda que neguemos eles insistem em correr em nossas veias, não costumam ter uma boa relação com a morte, tendo serias dificuldades em vê-la como rito de passagem ou mesmo como o fim de tudo.

A morte costuma dar-nos a sensação de vazio, de arrependimento de não ter dito isso, feito aquilo, perdoado aquilo outro. Ver ainda que apesar dos pesares, um bocado de coisas boas existiram daquela relação que se acabou e na grande maioria das vezes, são as boas memórias que se sobressaem.

Não para a mãe da travesti assassinada.

A mãe, que não tinha dinheiro pra comprar o caixão, comprou terno e gravata e insistiu em cortar o cabelo da filha.

Eu que não acredito em vida após a morte fiquei estarrecida no descaso desta mãe pra com a memória do ser que ela mesma pariu, viu contrariar os padrões, as regras impostas não só pela sociedade, como por ela mesmo. Que viu a filha abrir mao do convívio com a família, da vida em comunidade, de freqüentar o shopping, trabalhar com carteira assinada, de ter CPF e RG, conta bancaria, namorar, casar, ter filhos, enfim, de existir dignamente, por não corresponder à espectativas e modelos previamente estabelecidos...

Esta mãe não se importou com nada, nada alem da “boa” impressão que ela podia causar às outras pessoas que vissem seu “filho” de terno e gravata.

Sorte que pessoas sensatas lhe impediram de cortar o cabelo e abrir o caixão...

Nem morta ela conseguiu SER...